UM POUCO DA MINHA HISTÓRIA

Nasci na bucólica cidade de Mata, então Vila da Mata, caçula de uma ninhada de seis, num fim-de-mundo onde o único contato com o mundo civilizado era a visão de uma Maria fumaça que passava no horizonte deixando uma longa serpente no ar. Acho que minha semente cigana vem daí, como tudo saía e chegava pela estação, não via á hora de embarcar num trem daqueles e percorrer o mundo, ou o que eu conseguisse.
E á hora chegou... De um jeito meio esquisito e sem muitas explicações, um dia, meu pai comunicou toda família de que trocaríamos de cidade, um lugar novo onde a prosperidade e a fortuna nos aguardavam.
E assim, no início dos anos 60, no meio daquela coisa de golpe militar e ufanismo americano e antiamericano fomos parar em Santa Maria (melhor, Camobi). As coisas haviam mudado radicalmente, tinha linha de trem, mas tinha também uma BR qualquer que passava bem pertinho, quase ao lado da minha casa e que levava e trazia progresso de um lado para outro. Quando penso nesses dias de descoberta de um mundo novo, as imagens que surgem é de um carnaval de rua (coisa que eu nunca havia sonhado que existia) e de um baile de "morenos" (que eu e meu pai espiamos pelo lado de fora, porque éramos brancos e não dava para entrar).
Em 1970, entrei para o ginásio e gostava de tudo que era esquisito e diferente, Rita Lee, Secos e Molhados, Raul Seixas, Bob Dylan, tinha umas coisas malditas tipo: Gerson King Kombo, Sérgio Sampaio. O Brasil foi tricampeão e o milagre continuava; eu e o mundo inteiro usávamos calças boca-de-sino, cabelos quilométricos, todos os berloques possíveis. Foi mais ou menos por aí que começaram as primeiras experiências artísticas. Participei de todas as atividades militares, civis e eclesiásticas desse período, que precisasse de alguém com veia artística e cara-de-pau.
No final dos anos 70, já com o ensino fundamental concluído e o firme propósito de me tornar ator, fiz as malas e rumei para a capital. Fui me enturmando com a galera que fazia teatro e fui mostrando o que sabia.
Em 1981, fiz meu primeiro espetáculo profissional, e não parei mais, fui colecionando trabalhos e amigos, Décio Antunes, Nair D'Agostini, Nestor Monastério, Camilo de Lélis, Zé Adão Barbosa, Roberto Oliveira são alguns diretores que tive e são meus amigos até hoje, sem falar num incontável número de atores com quem tive a honra de contracenar.
O teatro sempre foi generoso comigo, e me deu tudo que sonhei, aquele sonho de criança que era viajar concretizou-se na forma de intermináveis tournées por todos os cantos desse país; já vi a Pororoca, andei em cima da linha do Equador, nadei em todas as praias nordestinas, gelei nos invernos do sul; Rio, São Paulo, Montevidéu, Buenos Aires, Manaus... Cidades, lugares, mundos, experiências inesquecíveis.
E já nos anos 2000, quando achei que já havia tido todas as experiências, surge O URSO, genial texto de Tchekhov, direção inspiradíssima de Deborah Finocchiaro, um grupo afinado e veio o prêmio Açorianos de melhor ator. Deste personagem tem uma fala que gosto muito: "sou um homem sincero, fiel e constante".
E como esse trabalho mudou a minha vida, me preparou também para o que vem a seguir, um mergulho n'O Avarento, de Moliére, meu próximo espetáculo, que estreou dia 14 de agosto no Teatro de Câmara Túlio Piva, com o grupo Farsa e direção de Gilberto Fonseca.
Trinta anos depois de ter começado, tenho a certeza de que não estava enganado e que tenho ainda muitos quilômetros a percorrer.